terça-feira, 18 de julho de 2023

A Lenda do Baixo Grande - O Canoeiro

 




No povoado de Baixo Grande, ele olhava a lagoa que banhava todas as janelas da sala de jantar perfumada pela maresia. Viu a porta, aberta, do comprido banheiro; livrou-se das botinas; das meias; do jeans e sob a forte ducha fria ficou durante um bom tempo. Completamente revigorado, buscou uma toalha. Pode perceber muitos batons de escuras tonalidades. Pensou: “É dela” - Hermes pouco lhe falara sobre sua irmã, contudo sua beleza era afamada por toda São Pedro D’aldeia. Por um segundo veio o pensamento de procurar o quarto daquela mulher. Com os dedos apartados sacudiu os longos cabelos castanhos, ainda ensopados; virou a face esquerda para o enorme espelho circular e disse: “Vamos conhecê-la, pescador!”.

Nele tremulava - como o vento quente do sudoeste - a curiosidade violenta de um homem de muitas histórias. Difícil suportar esse sentimento; difícil não ouvir o canto do imaginário; algo precisava acontecer... De súbito, abriu a primeira porta do quarto ao lado do banheiro. Sentiu um abalroamento de entusiasmo. Era a beleza mais enigmática que já vira estampada num porta-retratos. A imensidão daquele olhar e todas aquelas velas exalando um doce bálsamo na penumbra daquele pequeno mundo exótico onde sobre a cama flutuava o acetinado lençol azul mais do que marinho. Havia sensualidade, ali havia o frio e o prazer, e o coração do canoeiro sussurrava como o mar clama contemplação.

Diante dos seus olhos a serenidade nas fotos dela, trazia a virtude mais simples de uma mulher, então se aproximou de um grande quadro pintado a óleo; vislumbrou todo o corpo despido; olhou-o admirado e lhe veio uma explosiva excitação. Ela trazia todos os seus desejos no silêncio de sua alma. Não foi possível resistir à sensualidade e à precisão daquelas pinceladas. O canoeiro percebendo, embaixo da toalha, as veias do seu sexo cada vez mais dilatadas apertou-o brutalmente. Lá fora o vento dissipara todas as nuvens e a lua cheia brilhava naquela península da Lagoa de Araruama; ele gemia num infinito encantamento; não se rendeu à força daquela abrasante excitação; arrancou um suspiro passeando seu olhar pelas longas coxas vultosas envoltas de pelos dourados... Que fazes aqui, senhor? – Estática, era ela, na porta entre a claridade que vinha da sala e o espectro da noite. O canoeiro não pode evitar o susto e mostrou-se aflito por alguns instantes, no entanto, nobre no delicado encargo do esclarecer, fixou seus olhos nos dela e com audácia disse:
- Sou um pescador, senhorita. Sigo as estrelas e elas não deveriam ter feito isso comigo.
- Pescador seguindo estrelas?
O canoeiro tentou virar a toalha de forma que pudesse abrandar sua excitação. Ela se enfureceu por ele nada dizer.
- Você é um pervertido?
Ele aproximou-se; estava tão perto, que sua respiração desalinhava os cabelos revoltos e dourados descaídos sobre os largos ombros, coroavam a altivez daquela mulher. Paciente, esboçou um sorriso e disse:
- Não, trago o amor em mim e se isso é um sonho... Nada poderá interrompê-lo! - Deu mais um passo sentiu a textura da blusa negra encostando-se ao seu tórax; viu as formas curvilíneas e o decote que não ocultava e ainda avantajava o calibre dos seios; devagar reencontrou seu aceso olhar, e o canoeiro sussurrou:
- Não lhe disse que seguia as estrelas? - Ela o empurrou com presteza e gritou:
- Está sonhando acordado, senhor... O que fazes aqui? – Ele a pegou pela nuca; envergou seu corpo sobre o dela e enfiou a língua naqueles lábios abertos e mordentes, num longo e extasiado beijar. Suavemente disse:
- Seu irmão não tinha dificuldade para controlar o carro enquanto dirigia pela rua empoeirada... - Ela tentava se desvencilhar dos braços do canoeiro, mas ele a trancava num forte abraço.
- O caminho seguia em direção a Lagoa Maracanã. Depois de uma pequena rua à esquerda notei esta casa antiga; as amendoeiras e a enorme praia despontando diante de tudo isso... Bruscamente, o canoeiro rasgou a blusa da bela loira. Seus seios saltaram-lhe frente ao peito do canoeiro. Enquanto ele sussurrava em seu ouvido
- Hermes me convidou para passar o fim de semana por aqui, mulher. As luzes estavam acesas. As cortinas de rendas brancas esvoaçavam pelas janelas abertas... - Ela deixou escapar um profundo gemido, seguindo de um falso apelo:
- Solte-me!!! - Ele a beijou com anseio queimante. Buscou sua bunda com dedos calejados; com truculência abriu a apertada calça e continuou:
- Seu irmão parecia inquieto, contrastando com este pacato lugarejo. Perguntei: “Está tudo bem, amigo?” e ele disse, olhando para o céu estrelado, que nas noites de lua cheia, coisas estranhas acontecem por aqui... - Neste momento, ela segurou o avolumado sexo do canoeiro; com a outra mão rasgou a própria calcinha e disse:
- Não acredita em lendas, pescador? Agora, saberás que nossas almas se encontram todas as noites... Às escondidas... - Abaixou-se frente ao sexo do canoeiro; beijou-o brandamente, olhando-o nos olhos e contou:
- Acordei sentindo gosto de maçã e do pecado. Perfumei-me maliciosamente e delicadamente... Nos pulsos, entre os seios, descendo até o meu umbigo... Chamando por você; deitei-me com os cabelos soltos; empinando meus seios com se você estivesse erguendo-me de encontro a ti. Ela disse.

 Faminto de prazer, o canoeiro a beijava pelo pescoço, pelos ombros e abraçava-a com mãos deslizantes. Era como um fantástico reencontro, seus corpos provavam isso numa dança incandescente de fascinação. Com carinho, ela ondulava, se esfregava, o tocava, e o chupava seguidamente.
- Os antigos pescadores acreditam que o vento do Sudoeste costuma trazer grandes amores, gosto desse lugar e por isso vou entrar, e te conhecer melhor... Deixe-me despertar o seu amor? – Disse ele.

- Sabes que me enlouquece falando assim. Faz me sentir a fêmea mais realizada sem ao menos ser tocada... Entre! – Pediu ela se pondo de costas.
As velas purpúreas e perfumadas derretiam-se refulgidas pelo vento vindo das janelas, enquanto bocas febris se uniam e se lambuzavam num incomparável anseio grosseiro.
- Meu corpo se preparou para você a cada instante. Disse ela.

- Mulher, sabe que não tive prudência, quando excitado, flertei suas fotografias. De qualquer forma, jamais tive um sentimento tão desejoso por alguém.

- Por isso ficaste em riste e eu assim: querendo ser possuída por você de todos os jeitos. É uma metamorfose natural ocorrendo em mim... Sinto vir das entranhas!
O canoeiro fitou a verdade no olhar de sua amada: “Se os seus olhos estivessem no céu, as estrelas não teriam brilho maior” – Pensou: ninguém havia tocado nela como se veleja pelo seio do mar. Foi quando a debruçou sobre a penteadeira; ela, quieta apertava seus peitos sobre a madeira fria; esperou e esperou sem se mover; até que ouviu a sussurrante voz grave e rude ao seu ouvido dizer:
- Não pouparei o seu coração, mulher. – E assim sendo, atmosfera daquele quarto palpitou com violentas penetrações profundas sob a energia imposta por uma paixão selvagem. Gemendo ela o indagou:
- Diga: como te chamas pescador?

- Depois do lírio de suas palavras, pode me chamar de Amor, pois você é minha Poesia.  Ele disse.

A flama que queimava o pescador enamorado continuava embrenhando-se com devoção inesgotável dentro dela - que rindo de prazer - entendeu que entre milhares de amores-perfeitos, nenhum outro lhe trouxera o sentimento que pudesse alcançar os deleites de sua alma e o melodioso canto de sua sensibilidade. Num dos intervalos do seu mal comportado soluçar, ela disse:

- Poesia é essência do amor e amor me inspira a te conceber... - Os golpes do canoeiro ecoaram por toda a casa. Rígido, parou; buscando a face de sua amante segurando-a entre seus dedos longos; puxou-a para perto do seu rosto e numa acanhada distância dos seus lábios disse:
- Sei que ousei desejá-la, mas confesse com sua própria boca: gostas de fazer isso comigo?
- Sim e quero seu prazer mais profundo. Você me faz arder, pescador. Venha, quer que eu repita? Venha!

A ela não importava a falta de pudor daquele amor e desta maneira, durante o curso da noite via-o retornar mais uma e outras cem vezes para beijá-la; via-o agarrá-la com braços fortes e o crescer dos seus mamilos com o simples toque na pele bronzeada e com o cheiro das brumas da Região dos Lagos. As horas voavam, porém canoeiro ainda admirava todos os detalhes da lasciva mulher. Mesmo depois de tantos êxtases contínuos, não sabia distinguir sonho e realidade. Murmurando balbucios doces, disse:
- Talvez fosse preciso muitos anos para poder apreciar toda a sua beleza e mais uns duzentos para beijá-la por inteiro...

- Que bom que te agrado tanto, mas parece-me tempo limitado para a grandeza de um desejo. Tens ideia do que seja isso?
- Sou um homem simples. Amarei-te o tempo que for possível ou apenas mais uma noite. - Nesse momento, ela soube que teria de levar para sempre o amor do canoeiro.

 Deste modo, por onde ele andasse a saudade o acompanharia e mesmo que outras mulheres suspirassem encantadas, nada o envolveria. 
Daí, angustiado ouviria sua poesia voltando no sopro dos ventos e em nenhum outro lugar seu desejo gritaria tanto. Foi quando ela disse:
- Vou até a lagoa... Quero mergulhar . – Ele sorriu e para a Lua e disse:
- Obrigado, por esta noite. 

 Sabia que o seu amor estava naquela mulher seguindo até a praia. Observava-a num escutar imóvel e não se deixava despertar daquele torpor profundo. Meiga, La Nuit deixava o mar envolver os seus pés; vagando nas águas tépidas, que aos poucos, abraçavam todo seu corpo. Então, postou-se entre o rastro do luar que tremeluzia na lagoa. O canoeiro acendeu um cigarro; aproximou-se da praia; seu olhar varreu toda a lagoa... E gritou:
- NÃO!!!
Com agilidade, saltou sobre uma das canoas ancoradas frente a casa de Hermes; pegou o cambão; enterrando-o no raso da lagoa, enquanto chamava por sua amada. Sabia que ela não corria perigo, pois seria preciso nadar mais de uma milha para encontrar profundidade, contudo havia a certeza de era uma despedida e já podia sentir a cruel dor física da falta dos beijos dela e a dor de não ser mais importante e de não ser mais amado. 
A canoa riscava as águas turvas pela madrugada; o seu coração esmagava-se num canto de despedida na dor de abandonar aquela mulher; na dor do esvaziar a alma; alagando-se na imensidão de uma saudade; sabia que seguiria com aqueles momentos e que não suportaria se acostumar com a ausência de tanta poesia. Como viveria com a dilacerante sensação de rejeição? 
O acabamento de um sonho - sem a sua aceitação – o fez seguir procurando sua amada até o bravio mar.

 Dizem os antigos que, comovida, a Lua percebeu que, para o canoeiro - perder sua amada - era perder-se de si mesmo. Então, pausadamente a Lua disse:
- E tudo se resume no dia e na noite. A noite é assim: “Agora eu vou”, daí ela leva seus mistérios, sua sensualidade. Com a pressa da escuridão, mostra-se suave nos sonhos dos amantes e sigilosa dos pecados. A noite quer todos os encantos só pra ela, não se mostra infinita por isso não acredita no amor. O dia celebra o amor e você vive da luz.

- Me ajude. – Clamou o canoeiro para a Lua.
- Pobre pescador... Saibas que fico triste. Bem, tentei mostrar que o amor existe, mas... A noite não entende o plantar só o colher.


O vento sudoeste voltou forte...
Parecia um assobiador e antes que o horizonte se avermelhasse, o espelhão da lagoa prateou. Neste instante, a Lua presenteou o canoeiro com metade do seu brilhar e disse:
- Tome, meu lume é seu, para que continue canoando na escuridão da noite. Talvez nunca volte a ter os encantos desta mulher. Mas, enquanto eu estiver minguante ela saberá que tirou parte de mim e parte de você.

Hermes casou-se com uma turista italiana. Vendeu sua casa para uma família de Belo Horizonte. Sua irmã, nunca mais voltou ao Baixo Grande e o canoeiro... Jamais fora encontrado.

Escrito por Charro Sendero
















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